🪶 Uma parábola sobre como transformar vítimas em réus — e réus em vítimas
🕯️PRÓLOGO — QUANDO O ESPELHO SE TORNA CRIME
Havia uma aldeia onde refletir a realidade era mais grave que a própria realidade refletida. Descrever injustiças tornou-se ofensa; interpretar fatos, transgressão. O escriba da aldeia cometia o pior pecado possível: percebia — e registrava o que via.
⚖️ATO I — QUANDO QUESTIONAR VIROU ACUSAÇÃO
Certo dia, o escriba acreditou que o diálogo traria entendimento. Mas na aldeia dos ecos aprisionados, quando a conversa falha, vem a acusação. De “está incomodando” passou-se a “há um registro contra você”. De palavra a punição — eis a escalada perfeita da intimidação disfarçada de ordem.
🎭ATO II — QUANDO GUARDAR PROVAS VIROU DELITO
“Você tem o hábito de anotar o que acontece, sem permissão.” Eis o novo julgamento. Enquanto o escriba era repreendido por lembrar do que viveu, um outro cronista oficial anotava tudo para o arquivo da aldeia. Ali, guardar lembranças era suspeito; mas registrar oficialmente, virtude.
📜ATO III — O CASO DO QUADRO DE NOMES
Havia um mural público com conquistas e prêmios. O escriba questionou a exposição; o mural foi apagado. Quem divulgou nomes — “só queria informar” — foi celebrado. Quem escreveu sem citar ninguém — foi censurado.
🪤ATO IV — A PERGUNTA ARMADILHA
“Respondi como você queria, certo?” Essa frase, envolta em doçura, cria uma dívida invisível. Quem confirma o “sim” sela o pacto silencioso: eu apago o erro, e você apaga o que sentiu.
🚫ATO V — A ORDEM DE SILÊNCIO
“Pare de espalhar reflexos. As pessoas estão assustadas.” Sai o disfarce, entra a censura. O medo coletivo agora serve de justificativa. E o escriba passa a ser culpado pelos espelhos que outros temem encarar.
💡ATO VI — A VOZ DA LUCIDEZ
Entre os ecos, surge uma voz serena: “Comigo está tudo em paz. Só disseram que alguns não gostaram dos reflexos.” Sem medo, sem drama, sem fingimento. Quem não se reconhece nas críticas não se ofende com espelhos.
🧩ATO VII — O REGISTRO INVISÍVEL
Ninguém sabe quem iniciou o processo, nem o motivo. Mas ele cumpre sua função: calar pelo rumor. O registro é o fantasma perfeito — existe apenas o suficiente para assustar.
🧅AS CAMADAS DE IRONIA
Quem denuncia o abuso vira o acusado; quem o pratica, vítima. Recordar é crime; arquivar oficialmente, virtude. O silêncio é prêmio; a voz, ofensa. O medo pesa mais que a verdade. Reclamar de injustiça é fragilidade; fingir empatia é virtude. “Está certo?” é chantagem vestida de gentileza.
🔮EPÍLOGO — LIÇÕES DA FÁBULA
O constrangimento é só o primeiro ato. A inversão é a tática dos que temem a luz. O medo é o argumento dos que não têm razão. Quem controla a narrativa controla a memória. E toda perseguição precisa de um cronista obediente — disposto a chamá-la de “ajuste necessário”.
♟️CODA — O XADREZ EM MOVIMENTO
O escriba está em xeque, mas não derrotado. Pois cada anotação, cada tentativa de censura, cada sombra lançada é também testemunho de luz. E um dia, talvez, esses registros sirvam ao mesmo propósito dos reflexos: mostrar o que ninguém ousava ver.
💭PÓS-ESCRITO — PARA QUEM SE RECONHECEU
Se esta fábula te incomoda, pergunte-se por quê. E se a resposta for “porque parece real” — então o espelho funcionou. O problema nunca foi o reflexo. Foi quem não suporta se ver nele.
📚NOTA JURÍDICA E DE ESCLARECIMENTO
Esta é uma obra de ficção literária, ambientada em locais imaginários e protagonizada por personagens simbólicos. Qualquer semelhança com fatos, pessoas ou instituições é mera coincidência. Texto com caráter artístico e reflexivo.